28.11.07


«Big Sur» The Thrills 2003(single)


Sol de Inverno e um olhar para trás: um dos melhores singles pop de todos os tempos e como uma simples canção pode ser luminária, inspiradora e curadora. Infelizmente, os The Thrills, até ao 3º álbum, têm vindo a decrescer na qualidade da sua escrita e no brilho das suas canções. Mas, com «Big Sur», deixaram para sempre inscrita na História da Pop - ao lado de canções como, por exemplo, «There She Goes», dos La's - a sua visão West Coast do outro lado do Atlântico... Simplesmente genial.*****


26.11.07


«Patty Diphusa e outros textos» Pedro Almodóvar 2007 (livro)

Almodóvar é um grande conversador. E não é de agora. Já nos anos 80, quando a Movida Madrilena lhe deu espaço, conversava com os leitores através da coluna de Patty Diphusa na revista La Luna. Este livro começa aí. Conversa pós-moderna, tão brilhante quanto as cores garridas com que o cineasta veste as suas personagens e forra os seus cenários. Depois do «esgotamento» de Patty, ela regressa, nos anos 90, já com uma solidez de um discurso mais virado para as dores do coração do que o dorido do corpo. A imaginação não tem limites, como nos seus filmes, e a ginástica mental é hábil e desinibida. Alter-ego de Pedro, Patty é ainda hoje um símbolo da nova Espanha, da autêntica revolução socio-cultural que, nos anos 80, apontou o caminho da modernização e até da expansão económica. E Patty é uma grande conversadora...
Esta compilação agrupa ainda alguns outros textos de Pedro, tal como o ensaio «Conselhos para se conseguir ser um cineasta de fama internacional ». Divertido e culto. ****

24.11.07


«Daddy's Gone» Glasvegas 2007 (single/vinil)

São anunciados como a 1ª banda vinda de Glasgow desde há muitos anos capaz de encher estádios. Áparte o saudável sensacionalismo do jornalismo pop britânico, a verdade é que é bem capaz de ser verdade. Refrões pop à Big Music dos sixties, wall of sound cujas tags podem ir desde Phil Spector até Jesus and Mary Chain, as canções drumless dos Glasvegas tranformam o pub rock - com vernáculo incluído - em hinos de estádio, plenos de Oh Ohs! e frases orelhudas. Sim, poderão ser a banda por quem a Primavera da pop inglesa espera, poderão ser uma banda que faça acreditar outra vez na força popular de uma canção pop, depois de anos a ouvirmos a indie a implementar que less is more, songwriting concerned...*****

23.11.07



«I'm Not There - OST» Various 2007 (2XCD)

Ainda Dylan. Neste caso «dito» por outros, para a banda sonora do aventuroso filme de Todd Haynes, «I'm Not There». Se são sempre desiquilibrados aqueles discos que alinham uma série de artistas e bandas para reinterpretar temas clássicos de grandes nomes da História da música popular, nalguns casos o brilhantismo de algumas versões alumiam as piores, e a luz parece constante...

É o caso de «I'm Not There»: do Bom com distinção para All Along the Watchtower/Eddie Vedder até ao Excelente para Knockin' On Heaven's Door/Antony & The Johnsons (aqui, até eu me rendi a um ódio de estimação...), muitas notas intermédias podem ser atribuídas às versões que este disco engloba. Há o deleite em Just Like a Woman/Charlotte Gainsbourg & Calexico, o puro e calmo prazer em Simple Twist Of Fate/Jeff «Wilco» Tweedy, a boa surpresa em Highway 61 Revisited /Karon O & the Million Dollar Bashers, o envolvente Stuck Inside Of Mobile With the Memphis Blues Again/Cat Power, o dever bem cumprido e esticado em One More Cup Of Coffee/Roger McGuinn & Calexico, enfim... Razões de sobra para viajar mais uma vez na diversificada carreira dos Dylans. De qual deles? De todos eles. Um só. ****

19.11.07


Pavilhão dos Belenenses Editors 16.11.07 (concerto)

Desde o local do espectáculo, ao funcionamento deficiente dos bares, às 2 linhas de luz existentes num palco simples - muito simples - tudo referenciava os «gloriosos» anos 80, onde a produção de espectáculos ainda dava os primeiros passos no nosso país. À excepção de um piano vertical a meio do palco - muito Thom, muito Chris - e de um pequeno teclado digital usado pelo guitarrista apenas um par de vezes, nada mais do que uma voz cavernosa, a condução do baixo sob a bateria simples e eficaz, mais a guitarra solista exuberante e discreta que ondulava as sombras. Nada mais do que a verdade e a entrega. Um belo concerto, entre os fortes singles do primeiro disco e os temas mais épicos do segundo, com um encore absolutamente arrebatador, que para muitos terá valido a noite. Não se percebe ainda a intenção de Tom Smith - o cantor - quando sobe para cima do piano e abre os braços - mas quando sair o quarto disco já tudo estará esclarecido... ****

15.11.07


«Redacted» Brian de Palma 2007 (filme)

Num ano de alguns regressos à realização de grandes nomes do cinema, é Brian de Palma, que, surpreendentemente, assina um dos melhores filmes de guerra jamais feitos. Até à data é seguramente o melhor filme sobre a presença das tropas americanas em solo Iraquiano.
Palma edita em jeito de copy paste, cortando «o que não interessa» (to redact), uma combinação de away from home-movies feitos pelos soldados, câmaras de vigilância, documentários falsos de canais de tv estrangeiros, notícias de tv do mundo árabe, blogs, video-blogs, sites terroristas, fotos reais, tudo aquilo que possa descrever de modo fragmentado a verdade da guerra no campo de batalha. E mistura tudo na esperança que esses elementos possam dar uma visão de 360º sobre os vários campos opostos e a natureza humana. Ou do que resta dela em situações de conflito...
É nas camaratas e no solo árido que «Redacted» se concentra, tentando extrair «a verdade», como nos diz o jovem soldado de câmara em punho. E apesar da supremacia dos EUA, o mote é logo dado de início, quando o soldado sorri ao filmar um escorpião a ser imobilizado por... formigas! Melhor imagem não podia ser utilizada para, simbolicamente, descrever todo este war scenario, pior não podia ser o sorriso de um soldado que sorri à própria morte...
Baseado no caso verídico da violação de uma jovem de 15 anos por soldados americanos, seguida da sua morte e de vários elementos da sua família, na madrugada de 8 de Julho de 2006, «Redacted» é uma obra-prima do cinema contemporâneo. Ninguém vai ficar indiferente a este filme, os próprios EUA serão de certeza afectados na sua consciência depois de «Redacted» estrear em solo americano. Sim, porque hoje são as imagens que podem mudar o mundo. A câmara é uma arma. E como demonstra Palma, não há idade para fazer a diferença. *****


«Garage» Lenny Abrahamson 2007 (filme)

Àparte: Ao que parece, 2007 é o ano em que os novos cineastas - mas não só - exploram universalmente a desadaptação social, a solidão, e depressão e o suicídio, pela mostra que o European Film Festival Estoril nos destaca...
Josie é uma espécie de semi-tolo da aldeia, bem intencionado e com o coração enorme, sem a noção do que é socialmente correcto, como uma criança grande. Trabalha numa gasolineira, e lida com a rotina lenta e diária de uma pequena vila irlandesa. Quando um rapaz, menor, chega para ajudá-lo, a dificuldade de Josie em querer «pertencer» traz-lhe problemas, para ele coisas de somenos importância, para as regras rígidas de uma pequena povoação transgressões graves. E Josie não consegue lidar com as consequências daí decorrentes... Bela interpretação do comediante Pat Shortt num drama sem luz. ***

14.11.07



«A Bude Hur» Petr Nikolaev 2007 (filme)

A Checoslováquia nos tempos da repressão comunista, em colisão com as franjas rebeldes da adolescência. A preto e branco, um retrato crú de uma geração inconformada com o contrôle que o Estado exercia nos países de Leste nos anos 70. Singular, uma vez que toda essa fase nunca foi muito documentada pelos media europeus - percebemos que o que se passava na Checoslováquia não era muito diferente daquilo que se passava em Moscovo ou do que se tinha passado há 30 anos na Alemanha de Hitler. Explosões de liberdade no limiar de serem apenas pura libertinagem, incongruências de uma geração à solta e sem limites, paradoxalmente dentro de um país fechado e observado à lupa da «segurança interna». Um filme que, extravazando a sua própria anarquia resistente, não será exibido no circuito comercial, apenas em festivais e eventos. ***

«L'Été Indien» Alain Raoust 2007 (filme)

Um drama nas alturas, perto da loucura face à culpa de um passado que não se pode alterar, embora se alimente essa ilusão em desespero. Filmado nos Alpes, a história de um homem de quem a mulher fugiu, deixando-o com uma filha de 5 anos. 13 anos depois, a difícil relação de um pai com a filha a entrar na idade adulta, e o doloroso convívio com uma vida que ficou muito aquém daquela com que se sonhou. O que acontece à grande maioria da população humana, só que felizmente também a grande maioria aprende a lidar com isso de melhor forma... ***



«Eastern Promises» David Cronenberg 2007 (filme)

Um filme em que Cronenberg cumpre não será um filme que surpreenda, face à carreira inovadora do realizador. Com óptimas performances de excelentes actores, Viggo Mortensen, , Vincent Casel e Armin Mueller-Stahl - Naomi Watts está sempre bem, embora no filme não tenha de todo o foco - esta história sobre a Máfia Russa em Londres está bem contada, com a violência cruamente retratada como só Cronenberg sabe, com o twist da praxe, e competentemente filmada. Mas espera-se sempre algo mais do realizador de eXistenZ e Videodrome... ***

12.11.07



«Le Tueur» Cédric Anger 2007 (filme)

Um thriller em jeito de film noir, um exemplo de como os filmes podem ser simultaneamente apelativos ao grande público e inteligentemente interessantes. Quando o filme arranca ao som dos Devo, quase que sentimos que nada pode correr mal, mas é apenas um desejo. Depois, quando a trama se enrola até ao fim dos cerca de 90 minutos da duração do filme, descobrimos dentro dela os conceitos de romance, da morte, do suspense, da família, do crime, da infidelidade, de uma série de lugares comuns bem engendrados e baralhados para dar de novo. Entretenimento e apenas algo mais do que isso. Um exemplo para o novo cinema português, que teima em estar apenas nos extremos... ****


11.11.07



«Control» Anton Corbijn 2007 (filme)

Entrando pela primeira vez no universo da ficção de longa duração, Anton Corbijn não pôde deixar de fazer um filme de um fotógrafo - parece que ele não gosta nada que digam isso... Mas ainda bem. E, na realidade, fez muito mais do que isso. É notoriamente um filme de um esteta, alguém que dotou a história da música popular com as suas melhores fotos, um realizador de inúmeros videos e concertos ao vivo que sempre primou pela excelência e coerência estética do seu trabalho. Nessa linha, a preto e branco, «Control» goza ainda da empatia que Corbijn tem com o tema em questão - confessou, na apresentação do filme, que foi a música dos Joy Division que o fez partir da Holanda para Londres, de máquina na mochila, à descoberta de algo que o deslumbrava...


Se no território das cenas de actuações ao vivo e na ilustração musical das imagens se percebe que é onde Corbijn está naturalmente mais à vontade, criando momentos de grande energia mas também de rara beleza, é na dramaturgia que surpreende, iniciando aqui um percurso promissor na direcção cinematográfica. E serão raríssimos os casos em que o filme é superior ao livro, embora Corbijn também faça questão de dizer que é apenas «baseado» no livro de Deborah Curtis. De uma enorme sensibilidade e poesia, afasta-se do realismo crú do livro e torna-se cinema. Não deixa, no entanto, de criar alguns nós no estômago a quem o visiona, e os últimos 15 minutos serão mesmo esmagadores para quem sempre se fascinou com o «mito» Ian Curtis. Porque Ian aqui é um poeta descalço, a sangrar devido à pressão a que diversas situações na sua vida amorosa e profissional o sujeitam. Ian é o anjo branco e negro mas também o pai e o marido que falha, o angry young man que não vai conseguir enfrentar o futuro que era brilhante. Um ser humano que, desadaptado, não consegue chegar ao fim do dia para poder dormir descansado. E que por isso, num momento de claravidência, se pendura para saltar na luz.****



- Para acabar, fica aqui transcrito o poema que poeta punk John Cooper Clarke - que faz de si mesmo com mais 30 anos em cima! - interpreta no filme (para ler depressa de um só fôlego):




the fucking cops are fucking keen to fucking keep it fucking clean the fucking chief's a fucking swine who fucking draws a fucking line at fucking fun and fucking games the fucking kids he fucking blames are nowehere to be fucking found anywhere in chicken town the fucking scene is fucking sad the fucking news is fucking bad the fucking weed is fucking turf the fucking speed is fucking surf the fucking folks are fucking daft don't make me fucking laugh it fucking hurts to look around everywhere in chicken town the fucking train is fucking late you fucking wait you fucking wait you're fucking lost and fucking found stuck in fucking chicken town the fucking view is fucking vile for fucking miles and fucking miles the fucking babies fucking cry the fucking flowers fucking die the fucking food is fucking muck the fucking drains are fucking fucked the colour scheme is fucking brown everywhere in chicken town the fucking pubs are fucking dull the fucking clubs are fucking full of fucking girls and fucking guys with fucking murder in their eyes a fucking bloke is fucking stabbed waiting for a fucking cab you fucking stay at fucking home the fucking neighbors fucking moan keep the fucking racket down this is fucking chicken town the fucking train is fucking late you fucking wait you fucking wait you're fucking lost and fucking found stuck in fucking chicken town the fucking pies are fucking old the fucking chips are fucking cold the fucking beer is fucking flat the fucking flats have fucking rats the fucking clocks are fucking wrong the fucking days are fucking long it fucking gets you fucking down evidently chicken town.

10.11.07



«Youth Without Youth» Francis Ford Coppola 2007 (filme)

Este é um filme que Coppola faz porque está a envelhecer. E isso é bom. O acto deste filme é de salutar: excluí-lo à partida dos grandes êxitos de bilheteira, através de um guião baseado numa obra com contornos filosóficos, que equaciona a busca da total sabedoria e felicidade. Para isso, a ideia secular da vida eterna, aqui aumentada com o conceito do super-homem nazi e da reencarnação em regressão, para compreender a morte na origem de tudo, é o motor de uma trama a vários tempos e décadas, desiquilibrada pelo amor, e, por vezes banal no crossover de imagens. E o resultado final acerta ao lado: num papel de carreira, Tim Roth tem sempre na sua sombra - até no seu «duplo» - a sombra de um grande cineasta, e é nesse conflito mal resolvido que a meu ver reside o «problema» do filme. O filme não é um erro, antes um belo falhanço... ***


«La Línea Recta» José María de Orbe 2007 (filme)

Uma bela surpresa de simplicidade e de um certo olhar. Cinema no seu estado mais puro, uma história em ponto morto, a solidão nos limites das grandes cidades. Mas o mundo roda enquanto o plano está parado à espera da próxima rotina, e os círculos fazem sentido. No final, a cena help the aged retribui uma outra ajuda de músculo e solidariedade que a protagonista - a «belamente» fechada e talentosa Aina Calpe Serrats - recebe de um «ancião». Um filme que passa por nós, devagar, sabiamente devagar, afinal, como a vida. ****

7.11.07



«Control» será ante-estreado em Portugal no European Film Festival do Estoril, a 10 de Novembro, pelas 22h, no Casino Estoril. Isso já muita gente sabe.
O que muito pouca gente sabe é que, na mesma noite pós-filme, Anton Corbijn, realizador e fotógrafo (Depeche Mode, U2, entre tantos outros...) será uma das personallidades presentes no Lótus bar, em Cascais, numa noite temática à volta dos Joy Division e das gerações de Manchester, com djing e projecções a condizer + banda ao vivo a anunciar.

1.11.07



«Wouldn't It Be Nice - My Own Story» Brian Wilson w/ Todd Gold 1991 (livro)

Lêem-se de um trago longo - fans only - as décadas da vida torturada de Brian Wilson, numa confissão por vezes brutal, por outras naive. Editada mesmo no final do reinado do Dr. Eugene «xamã» Landy - e os fans only perceberão as suas «limitações»... - esta biografia respira contudo verdade e integridade por todas as páginas. Brian desce ao seu ser mais fundo e esventra a sua vida nas muitas inferioridades com que sempre conviveu, na outra margem do seu génio enorme como compositor Histórico da música popular. Um Inferno psíquico lado a lado com a urgência de compôr a canção perfeita, na tentativa de ir mais longe, o que quer que isso queira dizer... Mas nunca se duvida das intenções do bébé grande que é Brian. Sucessos, mortes, traições, fracassos, terapia, famílias em cacos, abusos, alegrias, drogas, manipulação, obesidade, tudo ingredientes que fariam deste livro um filme muito mais interessante do que muitos que andam por aí a aproveitar-se de teorias de conspiração... Brian hoje é uma pessoa equilibrada, que nos últimos anos renasceu com a revitalização e justiça feita a obras maiores como «Pet Sounds» e «Smile». Faz tournés regularmente e edita Cds, livros e DVDs. Os outros beach boys que restam (os irmão Dennis e Carl já faleceram) limitam-se a abanar o esqueleto à custa de êxitos passados de Brian... Ficamos então - avidamente - à espera da segunda parte desta biografia!*****