24.10.07



«Inland Empire» David Lynch 2006 (DVD)

3 horas de filme, as «últimas» duas as mais impenetráveis. Mas em círculo - para quem já descodifica os tricks de Lynch, e já lá vão muitos anos... - tudo acaba por fazer sentido. Com o plus do digital video, e o toque arty do snuff movie, «Inland Empire» é talvez o filme mais completo do universo alternativo Lynch. Quem gosta vai adorar, quem não gosta ou quem não possui o background necessário, que se afaste deste filme. Não há aqui complacência. Ou seja, uma/duas histórias muito bem contadas, com as portas da percepção abertas e fechadas na nossa cara. Janelas, podemos e devemos abri-las, à nossa interpretação.

Os filmes de Lynch ficam connosco, deixam marcas. São Cinema. E marcam-nos para sempre, também por serem muitas vezes dolorosos, durante o acto do visionamento. A máscara de Laura Dern - ensaiada, ainda sem rugas de expressão, em «Blue Velvet» - colada ao ecrán, o furo provocado pela queimadura do cigarro na roupa interior, abrindo o «buraco branco» do filme, as câmaras que irrompem a realidade (ou será o contrário?), todos estes elementos nos hão-de perseguir durante muito tempo. E a trama? Tal como Lynch já desenvolvera em «Mulholland Drive», nesta continuação das Hollywood Series, a trama passa-nos pela cabeça e transforma-nos em personagens. E essa é a grande força do novo cinema de Lynch. *****

22.10.07



«Touching from Distance: Ian Curtis and Joy Division» Deborah Curtis 1995 (livro)

Livros escritos por ex-mulheres trocadas por outras? Tal como em «John», de Cynthia Lennon, também este livro nos dá a visão interior de alguém que viveu junto de uma estrela em ascensão. É sempre um ponto de vista parcial e às vezes amargo. Mas «Touching from Distance» - passado recentemente para o grande ecrán por Antony Corbijn - está muito bem escrito e tem uma particularidade: o visado, Ian Curtis, trocou afinal a mulher e a amante pela morte, assim como a carreira nos Joy Division, em vésperas de uma tour na América e um êxito à esquina.
Ian, ao que parece, não era pêra doce. Além de sofrer de epilepsia, mentia sem assumir intrigas ou a invenção de factos, vivia numa inépcia total em relação ao dia-a-dia, nunca assumiu a 100% a sua filha e o seu casamento, afastou de modo feio a sua mulher dos últimos tempos da sua vida, enfim... Com uma inrodução escrita pelo jornalista Jon Savage, este é um livro que da sua arte só tem a transcrição das letras que escrevia para os instrumentais que os seus colegas de banda criavam. Mas dá-nos uma versão minimamente fidedigna do sua vida «humana», que parecia tão desenquadrada por não caber no templo dos Deuses dos Joy Division.
Ian tinha ataques frequentes, às vezes durante as actuações, que eram vistos pelos fãs como encenações maiores que a vida das suas actuações ao vivo. Será por isso sensato conhecermos o outro lado daqueles cujas obras por vezes admiramos? ***

21.10.07



«An Ideal for Living» Joy Division 1978 (Vinil, Ep)

A única coisa que nos pode escapar - além das verdades universais de que os Joy Division foram das bandas mais sérias dos finais de 70, mantendo-se tão ou mais importantes até hoje - é como se tornou paradoxal a relação entre a imagética da banda e o modo como a sua obra tocou as pessoas. De música ainda incipiente, a finalizar um pós-punk derivado do eixo The Fall-Buzzcocks, a estética já era forte no Ep de estréia, em 1978, «An Ideal for Living». Poucos se poderiam gabar hoje de ostentar no arranjo gráfico dos seus discos e posters reproduções de propaganda da juventude Hitleriana - linha que seria seguida pelos New Order com o decalque de símbolos fascistas e futuristas italianos - ou mesmo apelidar a banda de «Joy Division»: nome dado ao grupo de prisioneiras mantidas vivas nos campos de concentração apenas para satisfazerem as necessidades sexuais dos soldados alemães... Mas eram outros tempos, talvez fossemos mais livres, quando o politicamente correcto ainda não misturava a arte com a política. Ian Curtis era um germanófilo assumido - foi a mulher que impediu que se casassem ao som de uma «variação» do hino alemão... - numa época em que chocar o mundo fazia parte da arte. Hoje, Bryan Ferry perde um dinheirão no mundo da moda por, numa entrevista, ter gabado o corte das fardas SS... A música exemplar, essa viria depois de «An Ideal for Living», mas estava assim iniciado um caminho Histórico que havia de ser curto para Curtis... ***


«Rebellion (Lies)» Arcade Fire. 2005 (video)

Ao rever o clip de «Rebellion(Lies)» não deixo de pensar que há dois modos de estar na música: o passivo e o activo. A militância Arcade Fire ainda é uma criança - embora os habituais detractores da cultura pop já o queiram desmobilizar ao difícil segundo álbum... - e o futuro o dirá, mas a necessidade de uma procura urgente de novas linguagens e novas/próximas estéticas de vida é algo que assola muitos dos artistas da cultura pop. E é de saudar. Ao invés de cristalizar uma opção profissional de vida numa determinada receita, há aqueles que no matter what querem sempre mais do menos, não condicionando a sua carreira à subjugação da vontade do público e da crítica. É ver o novo dia sempre a uma luz diferente, é por vezes bipolar e até esquizofrénico, mas é muito mais chama do que apenas entretenimento. E isso pode fazer com que se passem longas temporadas longe do senso comum ou da opinião do mais e menos próximo. Mas é esse percurso que interessa, esse autismo que a música popular deve preservar. A bem da insanidade, neste fascismo normalizativo que conta novamente com polícia secreta e presidentes do Conselho. Sim, a música popular pode ser muito mais do que apenas entretenimento, pode ser também um modo de vida subversivo e de eternidade. *****

19.10.07



«This is England» Shane Meadows 2006 (DVD)

Uma história simples - podia e pode ser verdadeira. A mais bela história do período em que a nova Inglaterra se descobria nas ruas, e a velha - a de Tatcher - combatia nas Falklands. A mais velha história de amizade, descoberta, sinceridade, morte e violência, ainda assim tão acutilante. 1983: uma sub-cultura emergente - com excelente música a condizer! - nos bairros e nas escolas, que, desviando-se dos seus caminhos iniciais - 1969 - começou a lidar mal com as novas situações sociais, derivantes do convívio com diferentes raças e culturas. Não é um filme que mostre só um dos lados da mesma moeda, e isso é o seu verdadeiro trunfo: arrisca-se a ser um valioso «documentário humano» sobre os despojos de guerra de uma sociedade à mercê de lideranças políticas, e consequentes efeitos colaterais afectivos. E essa será sempre uma história do presente e futuro, até à chegada da tão utópica utopia... *****

15.10.07

Magic & No Loss


«Magic» Bruce Springsteen 2007 (CD)

Há dias os Arcade Fire juntaram-se em palco ao Boss para «StateTrooper», seguido de «Keep the Car Runing», para suarem depois uma rendição final de «Born to Run». Já os The Killers também haviam emulado o espírito do antigo pioneiro americano que Springsteen popularizou. E em «Magic» é tudo isso e nada mais do que isso que está presente, novamente. Porque, novamente, é altura de sair dos pequenos clubes lotados e voltar aos estádios e festivais, festejar o épico no rock, apanhar sol de Inverrno e entranhar vitamina C, e sim, repetir a História. La-la-las contagiosos, I work for your love, dear, o sax de Clemons em alta a dialogar com a distorção das guitarras, arranjos Beach Boys in tempo, letras da América, refrões-refrões, pianos brancos, canções urgentes para grandes espaços abertos. Yes, it's going to be a long walk home... Como tantos outros do Boss, um Clássico. *****

11.10.07

lyricbytes



Bob Dylan in «Spirit on the Water», Modern Times. 2006

«Nunca mais posso voltar ao Paraíso / Matei um homem lá». *****

Ahoy!



«Shotter's Nation» Babyshambles 2007 (Cd)

A UNCUT deu 5 estrelas a este disco. Nenhuma publicação em Portugal o fará. Eu percebo porquê, Pete é um alvo fácil, e move-se num território estético com poucos amigos por cá: não é arty ou electrónico o suficiente, e o seu ar dandy e descosido insuportável para algumas cabecitas arrumadas. E Pete é um alvo fácil ao ponto de irracionalmente deixarmos de analisar a música pela música, e ouvirmos as suas canções com ouvidos cheios de preconceitos empolgados pelos media - as drogas, a Kate, a displicência... Mas inegável será dizer que Pete Doherty deu a volta por cima, ampliando os 3 ou 4 bons momentos do mui odiado «Albion», disco de estréia, para 7 ou 8. O produtor, Stephen Street (Smiths, Blur, Kaiser Chiefs...), deverá ser um dos culpados, pois a sua assinatura audio cheira-se a milhas e está aqui bem presente. Onde «Albion» era baço e macilento, «Shotter´s Nation» é brilhante e prometedor, como se se tratasse de um disco de pós-rehab - se bem que isso não corresponda à verdade... «Delivery« é finalmente um single com S e os soundbytes dos Libertines aparecem aqui e ali, como se estivessem à espera de eco em retorno, a qualquer momento, de um qualquer Waterloo... ****

10.10.07

Anti-Neura Já!



«Northern Soul Essencial Floorfillers» CDX3

Agradeço aos Radiohead a 1º parte do concerto dos James, no Pavilhão dos Belenenses, há muitos anos atrás, agradeço os clássicos «The Bends» e «OK Computer», agradeço muitíssimo o empurrão que In Rainbows deram à Indústria discográfica mundial, ela que já se encontrava debruçada sobre a cova. Mas não agradeço o disco que desde «Kid A» repetem com doses consideráveis de neura sob a voz Thom Yorkada de artista torturado. E , por isso, em plena semana de lançamento digital e aclamação popular de «In Rainbows», troco isso tudo pela celebração suada na pista de dança imaginária que o som da Northern Soul sugere: 3 Cds com os mais refinados clássicos do género, de Billy Preston a Terry Callier, do «I Spy for the FBI» até ao «The Bottle». Sim, oiço isto todas as manhãs no duche. E vou ouvir até pelo menos até passar a febre macaca Radiohead que vai assolar o burgo. E mais, vou dançar até e durante as noites dos 2ºs Sábados do mês, ali pelo Scandy Bar... *****

9.10.07

Forte Sol de Outono


«Into The Wild» OST - Eddie Vedder. 2007


O disco a solo de Eddie Vedder, «embora» seja uma banda sonora, é um dos novos discos mais consistentes deste mês. Abrindo em força Pearl Jam com «Setting Forth» - retomada depois em «Far Behind» e no single «Hard Sun» - é contudo um disco mais calmo e acústico que os das banda-mãe, não perdendo no entanto nenhuma da intensidade e pujança que lhes é habitual. Belos temas como «Societyt» e «Guaranteed», que fecham o disco, e outros como o banjo «Rise» e «Long Nights», tornam «Into The Wild» como um dos discos de classic rock mais audíveis da temporada. E fiquem para ouvir até ao fim do fim...****



«Shady Streets» - Gary Stewart. in «Gary» Lp 1979 (mp3)

Há tempos que procurava saber qual a canção que serve e banda-sonora àquele terno ménage à trois que encerra o filme «Ken Park», de Larry Clark. Através do site de Harmony Korine acabei por identificar o tema em questão: «Shady Streets», que pertence a mais um génio incompreendido pelo álcool e desaparecido da música Country - Gary Stewart. Outro tema para estar em modo repeat no Ipod neste princípio de Outono@USA. *****

8.10.07

Dylanesque


«Self Portrait» - Bob Dylan. 1970

"That album was put out because...at the time...I didn't like the attention I was getting. I [have] never been a person that wanted attention. And at that time I was getting the wrong kind of attention, for doing things I'd never done. So we released this album to get people off my back. They would not like me any more. That's...the reason the album was put out, so people would just at that time stop buying my records...and they did." Bob Dylan 1981.

Mais uma caixa Dylan que invade o mercado, numa adulação genérica e cada vez mais consensual sobre o génio daquele que será, porventura, o artista mais interessante de sempre da música popular. Regressar a «Self Portrait», em vez de mergulhar na nova caixa tripla é um exercício que não será para todos, a não ser fãs e estudiosos. Mas sempre gostei de passos de auto-indulgência nas carreiras dos verdadeiros artistas, e por isso troquei a bonita caixa por este «Auto-retrato», pintado por si - atente-se a ironia...

Com temas gravados por «dá cá aquela palha» e outros vindos da fase «nova voz» de «Nashville Skyline», misturados com alguns diamantes em bruto e temas ao vivo(?), «Self Portrait» é o disco que Dylan gravou em Woodstock, onde se havia fixado, para fugir ao monstro que (lhe) haviam criado. É preciso por isso - atenção! - ouvir este disco com muito mais do que simples ouvidos para o podermos enquadrar: é que até as palmas que se ouvem nas intro e outro das faixas live do espectáculo da Ilha de Wight nos parecem falsas, postas em estúdio...

Não esperemos encontrar aqui nada tão refinado quanto a obra-prima «Blood on the Tracks». Não esperemos encontrar aqui a verdade folk da primeira fase da carreira de Dylan. Aliás, não esperemos encontrar aqui nada de mais. Apenas Dylan, a destruir e reconstruir, a ousar e a afastar. Um passo que tinha mesmo que ser dado, como se provou mais tarde. É por isso que Dylan é único. E grande.

****

4.10.07

Voltando ao Fim




«The Last Waltz» The Band DVD realiz: Martin Scorsese - 1978

Esperei mais de 25 anos para rever este filme. Vi-o em 79, quando musicalmente acompanhava o começo da linha iniciado pelo Punk e pela New Wave, já com o revival Mod em alta e o Ska à solta. Este filme era o concerto final de uma banda americana, a banda que a espaços acompanhara Bob Dylan. Aos 13 anos era difícil apreciar esse fim de caminho, com tanto de novo a despontar. Lembro-me que gostei de partes do filme, e que outras me pareceram enfadonhas...

Poucas vezes terá sido um concerto de rock filmado desta maneira - ou não fosse Scorsese! Um concerto de despedida em jeito de celebração e não saudade, com um luxuoso naipe de convidados. E hoje, quando já se sabe a história toda, é mais fácil apreciar devidamente um clássico cheio de momentos empolgantes. Momentos empolgantes como os da actuação de alguns dos convidados dos The Band: Neil Diamond em «Dry Your Eyes», Muddy Waters em «Mannish Boy», The Staples em «The Weight», Van Morrison em «Caravan» e Dylan & All em «I Shall Be Released», mas também momentos por conta própria, como o hino «The Night They Drove Old Dixie Down», tudo momentos de ouro na história da música popular, cruzados com real talk sobre a vida da banda. E como pioneiramente nos diz o primeiro frame de «Last Waltz», THIS FILM SHOULD BE PLAYED LOUD! A não perder. *****

Nota: Aconselho o visionamento com as legendas em inglês: passa por aqui a Bíblia dos conteúdos liricos de que se serve hoje aquilo a que se convencionou chamar de Americana - exemplar em «Coyote», com Joni Mitchel.

2.10.07

I WANT CANDY


Fire Horse



THE BESNARD LAKES - Are The Dark Horse (vinil) 2007

«Disaster» é uma das melhores aberturas de disco dos últimos tempos: misturem - na trituradora - os Beach Boys com os Godspeed You Black Emperor, ambos a Xanax, e deixem-se levar no fogo lento deste colectivo feito de pó de estrelas dos citados GYBE, The Dears e Stars, sediado em Montreal. «Devastation» é um nome bem escolhido para a 4ª faixa, quando já estamos completamente rendidos. Resta dizer que nesta edição em vinil a capa ganha vida, incinerando qualquer reles cópia de formato reduzido e plastificado. ****