31.12.07


"Fool For You Anyway" Foreigner 1977 (mp3)

Nos últimos tempos, as séries americanas que nos têm chegado via Fox, apresentam bandas sonoras dignas de renome, i.e., dignas de filmes, tal tem sido o cuidado aumentado que as produtoras investem neste tipo de produtos. «October Road», série guardada na gaveta até uma altura em que não havia mais nada a apresentar, é um desses casos. Exemplarmente escolhidos, ao sabor do guião, os temas que ilustram cada momento mais ou menos dramático destas histórias acabam por constituir parte activa do imaginário de cada uma delas, colados não a cuspo mas com cimento bem misturado. «October Road» serve-se daquela que foi a corrente musical maldita do fim dos anos 70 e anos 80, o Fm americano, para criar autênticas pérolas de fusão imagem/som: parece que as canções foram propositadamente escritas para as cenas, também devido ao facto de algumas décadas de música popular poderem provi-las com declarado ajuste. É o caso de «Fool For You Anyway», tema incluído no disco de estréia dos Foreigner, na altura ainda longe da globalização mainstream de «I Want To Know What Love Is». E o tempo faz com que possamos apreciar estas canções à distância, e não renegá-las à primeira como o fizemos no passado. Perdão, não só o tempo, mas também e especialmente esta colagem que as reposiciona e situa num território completamente novo. ****

24.12.07



«Spiritz» Deadboy 2007 (Cd)


É o álbum nacional mais entusiasmante do ano, embora tenha ficado curiosamente fora das listas da época, cada vez mais inúteis por reflectirem o gosto mediano daquilo que maior exposição mediática consegue. «Spiritz» é «apenas»o novo velho rock´n´roll em chamas, onde as guitarras dão lugar à electro-tónica, e os espíritos paralelos de Vega, Pop, Bators e Murphy são convocados. É notoriamente uma edição DIY, e sauda-se o facto. O futuro prossegue assim. E bem. ****

8.12.07



«The Beatles - The Biography»
Bob Spitz 2007 (livro)

Contando com as notas, são cerca 900 páginas de História, uma Bíblia da Música Popular para alguns - muitos! Bob Spitz edita a mais completa e detalhada biografia do grupo e dos mais próximos. Com base em documentos e depoimentos de toda a espécie, Spitz demorou 7 anos a compilar, escrever, seleccionar e editar este magnífico livro, o que valeu bem a pena!
Nesta biografia os Beatles não são tidos como deuses, e grande parte do seu lado mais negro e humano - antes dissimulado noutras obras - é aqui exposto, cabendo ao leitor «escolher» a sua versão de quem teve a culpa do pior e de quem foi responsável pelo melhor. Começando pelo princípio dos princípios - origens familiares e primeiros anos de vida - e acabando no primeiro dos fins - a atribulada saída do 1º disco a solo de McCartney, antes de «Let it Be» - este livro leva-nos na viagem por vezes psicadélica que foi a vida d'»Os Quatro Cabeleiras do Após-Calypso» - 1º título em Portugal para o filme «A Hard Day's Night»(!) - e por vezes desejamos que essa viagem não acabe, tal é a riqueza e o pormenor com que os factos são contados. Lennon é sempre o anjo negro desta história, sendo esse afinal o seu grande valor como artista insatisfeito - e não como homem - e McCartney tem por vezes no seu lado pior o seu lado melhor, no intuito de preservar e desenvolver essa autêntica instituição anárquica em que os Beatles se tornaram. Era uma banda de ténues equilíbrios, desde o princípio, e a dupla Lennon/McCartney tornou-se rapidamente uma dupla de intenções de copyright e não o modo real como funcionavam em termos de criatividade. Mas tudo valeu a pena, como este livro, afinal, nos esclarece. Em menos de 10 anos, os Beatles eram os primeiros a escrever a nova história da música popular, e a desempenhar esse pioneirismo com distinção. Abriram caminhos, expandiram mentes, e deram a jovens e menos jovens uma oportunidade de alienação que ainda hoje é única e vanguardista. E pode ser que daqui a 10 anos Spitz edite The Beatles after The Beatles, com a mesma emoção e entrega...

7.12.07



«Sicko» Michael Moore 2007 (filme)

É o melhor trabalho de Moore. Moore põe em jogo o modo privado em que funciona o sistema de saúde nos E.U.A., confrontando-o com o sistema Europeu - e não só - como alguém que sai da sua concha e descobre um mundo novo à sua volta. Tudo é novo para Moore fora do seu país: o modo como a democracia europeia construiu, há décadas, o seu Sistema Nacional de Saúde, ou mesmo como os eternos resistentes Cuba e Canadá defendem a sua «independência». E se para Moore, americano, tudo é uma espantosa revelação - no modo como doentes, médicos e cidadãos são tratados por um sistema que no seu país é tido como Socialista(!) - para nós, europeus, é também uma revelação espantosa o facto dos americanos viverem há tanto tempo - por culpa inicial de Nixon - num sistema em que as Seguradoras e as empresas de medicamentos controlam o Congresso e enriquecem à custa de lucro obtido pelas recusas de tratamentos a quem deles precisa. Desejamos que todos os americanos vejam este filme e exijam a mudança - porventura a Hillary Clinton, vejam o filme e percebam porquê - e desejamos que todos nós, europeus, apesar de tantas falhas do sistema - especialmente por cá! - o continuemos a manter e aperfeiçoar. *****

6.12.07



«Toothpaste Kisses» The Maccabees 2007 (video)

Um take, um video, um beijo multiplicado. Como uma boa idéia faz um bom video, sem orçamentos por aí além. Retirado do seu disco de estréia - um dos melhores do ano! - «Toothpaste Kisses» é uma calma banda sonora para a importância das imagens. Não há aqui nenhuma mensagem directa, tipo «vamos todos beijar-nos uns aos outros!», mas a beleza pairante de tal plano prolongado enleva-nos de modo singular e deixa-nos a alma mais leve. Algo a realçar: como este video é extremamente importante para a presença da canção nos media. Duvido que «Toothpaste Kisses» se considerasse um single comercial sem o acompanhamento destas imagens... ****


5.12.07



«American Gangster» Ridley Scott 2007 (filme)

Uma espécie de black Scarface, mas com o tom épico que Scott tão bem sabe impôr aos seus filmes. Bela fotografia, câmaras lentas que fazem com que esta história passada nos finais dos anos 60, e inícios dos 70, às vezes pareça mais uma história ocorrida num futuro há muito tempo atrás.
Russel Crowe encarna na perfeição o papel do polícia mais honesto do mundo, sendo que a Denzel Washington falta no entanto um pouco de peso na composição da personagem para que este Padrinho compita com outros da História do cinema.
Com 2h30m de duração, uma história bem contada no seu princípio, meio e fim, numa notável recriação da época. Sim, vale a pena ver. ****


2.12.07



«Conta-me Como Foi» Fernando Ávila RTP 1 (série)


É talvez a melhor série de sempre de produção nacional, no campo da ficção. Porquê? Pelo modo fidedigno como a época é recriada e pelo bom gosto posto nessa recriação. Pelos actores, pelas histórias não-lamechas, pela análise não-básica dos tempos políticos que se viviam. Também pela parte técnica: fotografia, montagem, cenários, guarda roupa, caracterização...

A solução da voz-off adulta, da personagem então mais nova da família, resulta em pleno, enquadrando na perfeição o lado mais naive da série - o da descoberta de um país, das coisas do amor, do inocente questionar de uma realidade que pouco se estendia dos limites do bairro em que cada um vivia. E apesar de o conceito ser baseado na série espanhola «Cuéntame como passó», a realidade particular portuguesa dota a série de uma singulariedade que a afasta dos produtos televisivos empacotados que nos servem diariamente.

Afinal é possível: esqueçam-se os vários falhanços em séries de recriação histórica, esqueçam-se muitos dos programas que o canal público exibe regularmente... «Conta-me como foi» é um primeiro passo, a ser acarinhado e a ser continuado nos próximos projectos nacionais extra-novelas a verem a luz do ecrán. Além dos excelentes Rita Blanco, Catarina Avelar e Miguel Guilherme, de notar também a bela revelação que é Rita Brütt, a filha mais velha que é a primeira a romper o cerco Salazarista às famílias, auto-exilando-se em Londres durante umas mini-férias. *****